Volta a Portugal pelas aldeias da memória

A Volta a Portugal em bicicleta inspira Ana Clara, em estreia esta semana como blogger convidada, a fazer o elogio da Beira Interior. Uma viagem sentimental de uma jornalista habituada a percorrer o «Portugal profundo».

«A aldeia mais alta e internada na Serra, o Sabugueiro, era habitado por pastores transumantes e camponeses, que em duas ou três semanas semeavam, lavravam, ceifavam e malhavam o grão semeado no ano anterior, abandonando depois os campos elevados aos rebanhos e à solidão».

Orlando Ribeiro, “Portugal Mediterrâneo e Atlântico”

Belmonte, Covilhã, Penhas da Saúde, Seia, Sabugueiro, Guarda. Por aqui irá passar a 78.ª edição da Volta a Portugal em Bicicleta entre 27 de julho e 7 de agosto.

A prova, marco maior do ciclismo nacional, faz-me sempre relembrar as memórias vivas em mim desde a infância e adolescência, tempos em que a Volta era uma religião em cada lar do país.

Recordações que permanecem ancoradas nos milhares de quilómetros que havia de calcorrear, anos mais tarde, já como jornalista, pelas aldeias, vilas e cidades da Beira Interior.

Por aquelas encostas serranas, encravadas na Estrela, e sempre em curvas apertadas, recheadas de medos e fobias de altitudes, a paisagem basta para povoar frases e textos onde havia de pintar a realidade.

De gravador, caneta e bloco numa mão, e máquina fotográfica na outra, registei momentos únicos, inolvidáveis, de gentes e rostos que fazem a vida correr no famigerado «país profundo», como tantas e tantas vezes é apelidado.

A Volta, a esse Portugal tão perto e, igualmente, tão longe, permite-me matar essa saudade. Saudade da terra que deu ao mundo Pedro Álvares Cabral (Belmonte), selos de nostalgia onde está retratado um verdadeiro postal ilustrado pintado por paisagens únicas, entre quedas de água e onde a transumância foi, durante séculos, o sustento das famílias (Sabugueiro) ou Seia que representa ainda hoje o epicentro beirão de identidades profundas que vão da indústria ao turismo, passando pela terra fértil que continua a dar cartas no PIB e nas exportações.

É este o país que a Volta a Portugal nos oferece todos os anos. É desta Nação valente que tanto nos devemos orgulhar e que tão abandonada fica nos restantes dias do ano.

As minhas memórias ninguém as aniquila. Pertencem-me e não me abandonam sempre que o nome de Portugal se escreve alto, como assim aconteceu nos primeiros dias de julho.

Que a Nação valente que a Volta à Portugal nos mostra esteja mais presente nos corações daqueles que apenas se centram nas esferas do Litoral mais desenvolvido.

Que a Volta a Portugal às aldeias da memória se mantenha viva e alimente a esperança e sacrifício que, entre vales e montanhas, estradas e caminhos, por ali permanece, ávida de sonhos.

 

A autora e o blogue
Ana Clara, jornalista, com longa experiência a calcorrear o nosso país, mantém o blogue Portugal à Lupa onde procura valorizar o que Portugal e os Portugueses têm de melhor.
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Ana Clara | Portugal à Lupa 2016-07-27

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