Roteiro de Leiria

Uma cidade que inspira reis, escritores e visitantes

Musa inspiradora de D. Dinis, rei trovador, e de Eça de Queirós, que por lá escreveu o Crime do Padre Amaro, Leiria já fez correr muita tinta mas continua cheia de segredos por revelar. São séculos de história que descem do castelo até às margens do rio, com passagem pelo centro histórico, onde memórias medievais e lojas quase centenárias se misturam com as últimas tendências urbanas. A páginas tantas, a cidade do Lis tem tudo para surpreender os visitantes.

Desde que foi conquistada aos mouros por D. Afonso Henriques, em 1135, Leiria desenvolveu múltiplas facetas que fazem dela umas das localidades do centro do país com mais motivos de interesse. Além do rico património, onde se destaca o incontornável castelo, a cidade também acolheu inúmeras personalidades que deixaram marca na cidade (e no país), como os reis Afonso III e D. Dinis, os escritores Eça de Queirós e Miguel Torga ou o arquiteto Ernesto Korrodi.

A maioria tem direito a rotas turísticas próprias mas a melhor forma de descobrir Leiria como um todo é fazer um percurso urbano genérico. Nesse caso, o carro é totalmente dispensável (e até desaconselhável no centro histórico) e só por duas vezes (nas subidas ao castelo e ao Santuário de Nª Srª da Encarnação) terá de puxar um pouco mais pelo corpo. Um mapa da cidade (oferecido no posto de turismo, Jardim Luís de Camões) poderá ser útil se tiver pouco sentido de orientação e, caso esteja a ler o Crime do Padre Amaro, não deixe de levar o livro consigo. Acredite que durante a caminhada irá identificar vários locais e terá vontade de puxar por ele. Haverá melhor forma de (re)descobrir a obra de Eça de Queirós?

Eça e o castelo sempre à espreita

Mais do que o principal ponto de encontro da cidade, a Praça Rodrigues Lobo (poeta local do século XVI) é também o melhor ponto de partida para qualquer passeio por Leiria. Vigiada pelo castelo, serve de morada a alguns dos edifícios mais emblemáticos da localidade, como a casa dos Zuquetes ou a casa da Antiga Assembleia Leiriense, onde Eça de Queirós (administrador do concelho entre 1970 e 1971) ia ler os jornais e pôr a conversa em dia.

Daqui seguimos pela Rua Afonso de Albuquerque, facilmente identificável pela Casa do Arco (um dos muitos projetos do arquiteto Ernesto Korrodi) que termina no Largo Paio Gonçalves, mais conhecido por Largo do Gato Preto desde que este animal ficou representado em azulejos num edifício da praça. A moda pegou e agora outros gatos (desenhados) “passeiam-se” pela calçada ou espreitam da vizinha Casa dos Pintores.

Continuando pela Rua da Vitória chegamos ao Largo da Sé, dominado por este templo com origens no século XVI mas reconstruído depois do terramoto de 1755. Eça de Queirós descreveu-o (nas palavras do padre Amaro) como “uma ampla estrutura de um estilo frio e jesuítico” mas, goste-se ou não, não deixa de impressionar pela imponência da nave central e riqueza da talha dourada. Mesmo em frente fica o edifício da Administração do Concelho que Eça dirigiu (hoje acolhe uma tipografia) e a antiga Farmácia Paiva, com uma bela fachada em azulejos, que os leitores do Crime do Padre Amaro facilmente associarão à “Botica do Carlos”.

O passado e o moderno ao virar da esquina

Agora sim, chegou a altura de respirar fundo e ganhar forças para subir o morro de Leiria, coroado pelo castelo no alto dos seus 113 metros de altitude. O mais fácil é ir retemperando energias pelo caminho, primeiro junto à Torre Sineira e miradouro do Largo Dr. Manuel de Arriaga, e depois no Museu da Imagem em Movimento e na igreja românica de São Pedro, ambos na vizinhança do antigo Paço Episcopal, hoje comando da PSP.

Já no castelo, conquistado por D. Afonso Henriques e escolhido como residência real por D. Dinis e pela Rainha Santa Isabel, não deixe de visitar a Igreja de Santa Maria da Pena, a Torre de Menagem (hoje utilizada como núcleo museológico) e os Paços Novos. Aqui destaca-se a galeria da alcáçova, com oito arcos ogivais apoiados em capiteis, indiscutivelmente o melhor miradouro para a cidade.

De regresso ao centro histórico, percorremos a Rua Barão de Viamonte, antiga rua Direita, onde pequenas casas com cantarias medievais e espaços de comércio tradicional (alguns quase centenários como a Chapelaria Liz) convivem lado a lado com bares, estúdios de tatuagens e lojas de roupa retro ou urbana. E o mesmo acontece na vizinha Travessa da Tipografia, que nos surpreende pelo contraste entre a singeleza da casa habitada por Eça de Queirós e as linhas modernas do centro cívico (mesmo em frente) que homenageia o escritor. Mas também é isso que torna Leiria ainda tão singular, orgulhosa do passado que carrega mas ao tempo na vanguarda das últimas tendências.

Mais solene é o Largo Cândido dos Reis (ou Terreiro), que acolhe alguns dos mais belos edifícios senhoriais da cidade, casos do Solar dos Atalaias ou da antiga residência  dos Charters, hoje ocupada em parte pela biblioteca municipal. E dali regressamos à Praça Rodrigues Lobo onde nos espera a mesa farta e os sabores apurados da Taberna Real Mata Bicho, referência gastronómica na cidade que não fica a dever aos afamados restaurantes da freguesia de Marrazes.

O papel da fé e das letras

Depois do mata bicho, pernas para que te quero. A caminhada continua pelo Largo 5 de Outubro, onde salta à vista o edifício neo-barroco do Banco de Portugal (mais um projeto de Korrodi) e pelo Jardim Luís de Camões, que nos leva até à Fonte Luminosa com o grupo escultórico do Lis e do Lena, os dois rios que atravessam o concelho. O primeiro passa ali mesmo ao lado, mas antes vamos espreitar o Mercado de Sant`Ana, hoje centro cultural, a Igreja do Espírito Santo e a Fonte das Três Bicas.

Mesmo em frente fica uma das mais recentes travessias pedonais do Lis, a ponte El-Rei D. Dinis, que liga a rua Tenente Valadim ao jardim da Vala Real. Se quiser fazer uma pausa para descansar aproveite esta zona verde, caso contrário siga até ao Convento de Santo Agostinho, onde merecem destaque a fachada barroca e o retábulo em pedra da igreja. Dali já se avista o Santuário de Nossa Senhora da Encarnação e os 162 degraus da escadaria barroca que prometem não dar tréguas aos visitantes a pé. Uma vez no topo do monte, a subida é premiada com o belo cenário em redor que alcança não só a parte histórica mas também as zonas mais modernas. E quanto cresceu Leiria nos últimos anos!

O ponto final deste passeio acontece no Moinho de Papel, espaço museológico que dá a conhecer os ofícios tradicionais que passaram por aquele espaço secular, com destaque para a moagem de cereais e para o fabrico do papel, já que ali se instalou (em 1411) a primeira fábrica de papel em Portugal. Um privilégio real que acabou por influenciar a fundação de uma tipografia (das mais antigas do país) onde nasceu um dos primeiros livros impressos em território nacional, o Almanach Perpetuum, do matemático e astrólogo Abraão Zacuto. Coincidência, ou talvez não, a verdade é que a cidade nunca mais deixou de estar intimamente ligada às artes, às letras e ao conhecimento. Muitos pensadores, escritores e artistas passaram por Leiria, como Rodrigues Lobo, Eça de Queirósou Miguel Torga. Do castelo das trovas à prosa das ruas a cidade é um livro aberto que vale a pena ler (ou reler) do início até ao fim.

Roteiro de Leiria

Distância de Lisboa: 150 kms
Percurso recomendado:  A1
Custo das portagens: 9,10€

Distância do Porto: 180 Kms
Percurso recomendado:  A1
Custo das portagens: 12,50€

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