Leiria em 48 Horas

Na semana dedicada a Leria, pedimos a colaboração da revista que mais nos inspirou a descobrir a nova onda da cidade desde que, há dois anos, começou a desinquietar-nos semanalmente com artigos estimulantes e curiosos sobre a cidade do Lis (e do Lena). Passamos a palavra à Preguiça Magazine: eles, melhor do que ninguém, sabem tudo, mas mesmo tudo, sobre Leiria. 

Gostávamos de dizer que Leiria mudou muito desde que o Eça era apanhado a brincar com a mulher do próximo, mas a verdade é que continua uma aldeia em ponto grande. Ainda assim, quando escapa aos mexericos de bairro e à mentalidade provinciana, torna-se uma cidade vibrante e que até tem uns truques para mostrar. Sobretudo, se o objectivo é comer, beber e ouvir música da boa.

Digamos que conseguiste 48 horas para fintar a rotina. Numa agência moderna isto chama-se city break e costuma incluir bilhete para Barcelona, Londres ou Amesterdão. Com este texto, a Preguiça prova que é possível gastar o mesmo dinheiro, ou mais, sem realizar nenhuma destas viagens. E, principalmente, sem sair de um raio de 15 quilómetros à volta da Praça Rodrigues Lobo. Continuam motivados? Vamos lá.

Sexta-feira, 19 horas. Ok, chegaram ao hotel – já vamos explicar qual – e estão a pousar os ossos no colchão. O quarto é razoável, nenhuma suite, mas dá para ir a pé a qualquer lado e permite descansar do boxe rodoviário durante um par de dias. Ela arruma os pertences no lugar dos pertences – meias com meias, botas com botas, coisas de casa de banho no lugar das coisas de casa de banho – e ele marca o território como qualquer macho que se preze (uma meia aqui outra ali, uma bota acolá e outra cá, coisas de casa de banho no lugar… esqueçam, neste saco não vieram coisas de casa de banho).

Há três opções de estadia que vos deixam nas imediações do centro histórico, com preços entre 35 e 55 euros por noite (Fevereiro de 2015), em quarto duplo: Hotel São Luís, Eurosol Residence e Hostel Leiria.

Uma vez nas margens do Lis, das melhores coisas que se pode fazer é comer. Há restaurantes para todos os gostos e carteiras, mas já que estamos só a começar, a Preguiça sugere algo leve (para o bolso) e tradicional (para o estômago). Estudantes, malta que partiu o porquinho mealheiro do irmão mais novo e beneficiários do subsídio de desemprego, o Salvador é o vosso destino. Peçam a famosa alheira a pingar óleo. Pessoas com tiques de hipster e early adopters que gostam de experimentar tudo antes dos amigos, prefiram a Adega Popular, o caldo verde e os pregos temperados com bom gosto. Fãs de tabernas que não dispensam o século XXI, optem pelo Mata Bicho.

EM ROMA SÊ ROMANO

É BOM QUE TENHAM TRAZIDO AS SAPATILHAS. OU TÉNIS, COMO SE DIZ LÁ EM LISBOA. LEIRIA ESTÁ PARA O RUNNING COMO O ANTIGO IMPÉRIO PARA O CIRCO DE FERAS.

Assunto arrumado, vamos ao primeiro copo. E as boas notícias são: há um bar irlandês em Leiria onde podem fazer de conta que o vosso city break acontece em Dublin. Sugerimos caminhada a pé através da ponte El Rei D. Dinis – onde matam dois coelhos de uma vez: o rio e o castelo vistos à noite – e a obrigatória Guiness. Ou então um gin dos modernos em balão. Depois, seguir para o Anubis, junto à Sé. Não estranhem a média de idades, o Anubis é a segunda casa dos alunos do Politécnico. Mas vende cerveja barata e à sexta-feira é garantido que o DJ set frequenta o éter do rock para uma imensa minoria.

Para rematar, Musique. Aberto até tarde, surgiu em 2014 para devolver à cidade o que a cidade sempre quis – um espaço para ouvir e dançar, em registo indie alternativo, até que a noite deixe de ser uma criança.

Sábado, 10 horas. É bom que tenham trazido as sapatilhas. Ou ténis, como se diz em Lisboa. Isto porque em Roma sê romano e Leiria está para o running (é assim em português contemporâneo?) como o antigo império para o circo de feras. A nossa sugestão é que saiam do quarto para um passeio através do percurso Polis, onde vão perceber várias coisas: as boas políticas de urbanismo fazem pequenos milagres, mesmo um rio como o Lis pode ter uma segunda oportunidade, nem todas as ideias dos governos Sócrates são lixo, os leirienses gostam de socializar.

Depois da caminhada / corrida / passeio de bicicleta, banho e café na Praça Rodrigues Lobo, debaixo do sol. Ou, em alternativa, na esplanada do Chillout, que fica no Parque Tenente Coronel Jaime Filipe da Fonseca (Parque do Avião ou da Cidade).

Para o almoço, vão precisar de carro. Mas vale a pena. O destino é a freguesia das Cortes e o restaurante Pião, daqueles à antiga, onde se come em ambiente familiar e as refeições fecham com chave de ouro (leia-se abafadinho). Não estranhem o barbeiro e a taberna, faz tudo parte do charme. Uma vez nas Cortes, aproveitem para visitar a Casa Museu João Soares e a nascente do rio Lis.

De regresso ao ponto de partida, é tempo de explorar o centro histórico. Primeiro, a sobremesa: Nutella, gelado italiano ou as melhores brisas daqui até Paris. Embora degradado, é aqui que bate o coração da cidade e de uma nova geração de comerciantes e designers. Tudo se passa à volta da Praça Rodrigues Lobo e da Rua Barão de Viamonte (Rua Direita), sobretudo. Visitem a loja de bicicletas do Arlindo, os ateliês da Kristine e da Sandrine, as lojas de tatuagens do Jorge e dos Just Tattoo’s, a Alquimia da Célia, os skates da Tribos Urbanas e a mítica Garagem, o café do Eça, as t-shirts do Miguel, os Caprichos da Patrícia ou as mais tradicionais sapataria do Viriato, Mercearia do Ferreira e Chapelaria Fonseca. E fechem com a Arquivo, o serviço público em forma de letras, ideias e imagens.

Para jantar, um clássico. Marrazes, a freguesia que inscreveu Leiria nos roteiros da gastronomia, dos textos do Quitério no Expresso aos segredos partilhados entre amigos, oferece refeições dignas de reis. E a Preguiça, que já fez a experiência, recomenda o Pipo Velho, local onde até os famosos da televisão gostam de parar.

Leiria e rock são sinónimos e nesse imenso quintal onde cabem todas as etiquetas do universo sonoro fora do mainstream há vários satélites para o melómano com sede e pé dançarino. Ao sábado, a noite tem de passar pelas sessões de gira-discos do Praça Caffèe e acaba no Beat Club, quase sempre com música ao vivo antes de mais uma sessão Unknown Pleasures by Carlos Matos. Se ainda sobrarem forças, não voltem ao hotel sem bifanar na roulote mais próxima. É só atravessar a estrada.

Domingo, meio-dia. Já tivemos tremoço, vamos ao caviar. Aqui também se diz brunch e a melhor varanda para o efeito é a do Pé do Rio. Recuperadas as forças, o programa cultural. Uma tarde no centro histórico em torno da judiaria medieval, do Crime do Padre Amaro e dos escritores que fizeram da cidade a sua musa, destacando-se Eça de Queiroz e Miguel Torga. Três rotas, três caminhos para sair de Leiria a falar como um novo José Hermano Saraiva.

E já que vais a Roma, vê o Papa. Que é como quem diz, o Castelo. Fenícios às compras, reis à pancada com árabes, esqueletos desenterrados, cónegos e clérigos, corvos e falcões, vulcões adormecidos, passagens secretas, a cama do bispo e o arquitecto suíço. Está tudo neste texto. Aproveitem para ver o pôr-do-sol, do morro mais alto da urbe. É uma questão de acertar o passo pelo relógio e escolher a muralha do lado certo.

E assim acontece. Leiria em 48 horas, o city break possível. Quando enfiarem em direcção à auto-estrada, passem nos Pousos e parem no Manel da Loja. Diz que tem a melhor sandes de presunto das redondezas.

 

Ver também: Leiria para Totós e o utilíssimo dicionário Leiriense/Português.

Por Preguiça Magazine: texto de Cláudio Garcia | fotografias de Ricardo Graça

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