Gruta do Soprador do Carvalho

Viagem ao interior da Terra

A maior gruta do maciço do Sicó e uma das maiores do país abriu ao público para oferecer uma experiência única, feita de adrenalina, aventura e ciência. Durante duas horas, os visitantes percorrem 800 metros de um rio interior, entre túneis e galerias, estalactites e estalagmites, água e lama. Primeiro contorcem o corpo e rastejam, despois ficam deslumbrados com tanta beleza e paz interior. É o fascínio do mundo subterrâneo à distância de um sopro de coragem.

Escondida debaixo de um enorme carvalho que lhe dá nome, a gruta do Soprador do Carvalho faz parte de um intricado puzzle subterrâneo que tem feito as delícias dos espeleólogos mas só recentemente começou a ser divulgado ao público. Além desta, a única aberta a visitas, o Sistema do Dueça conta com outras três cavidades: o Algar da Várzea, uma espécie de escoador da água da chuva, a Gruta do Algarinho, nascente temporária, e o Olho do Dueça, local onde o rio com o mesmo nome nasce à superfície. No total são quase nove quilómetros de galerias já exploradas mas é bem provável que haja muito mais para descobrir.

Por estarem seladas, estas três apenas podem ser conhecidas à superfície, por exemplo, através dos trilhos pedestres promovidos pelo CISED (Centro de Interpretação do Sistema Espeleológico do Dueça), que também organiza as visitas à gruta principal. Aberto desde 2005 mas revitalizado recentemente, este espaço fica situado em Algarinho (junto à aldeia de Taliscas, concelho de Penela) e tem como objetivo dar a conhecer o mundo subterrâneo da região.

Quem quiser a experiência completa (passeio a pé + descida ao Soprador do Carvalho) poderá precisar de um dia inteiro, sendo que os trilhos são gratuitos e o bilhete para a visita à gruta custa 25€ por pessoa ou 79€ para uma família de dois adultos e dois filhos. Neste caso o trajeto é mais curto (cerca de 600 metros) já que os mais novos são levados em pequenos botes de borracha, tipo parque de diversões. Quanto à idade mínima, cada caso é um caso, porque algumas crianças (e até alguns adultos) poderão ter medo de entrar na gruta. Nós também não escapámos ao nervoso miudinho inicial mas depois de superados os primeiros metros (os mais claustrofóbicos) o caminho torna-se bem mais fácil e quase viciante,tantas são as sensações.

Primeiro estranha-se, depois entranha-se

Depois de vestido o equipamento (macacão, botins e capacete) e explicadas as regras de segurança, os visitantes percorrem a pé os poucos metros que separam o CISED do Soprador do Carvalho. Rapidamente se descobre o porquê de parte do nome (a entrada da gruta fica sob um frondoso carvalho) enquanto a restante deve-se ao vento que, por vezes, soprava do interior da rocha.

Em 1992, os habitantes locais falaram deste fenómeno a um grupo de espeleólogos que investigaram o local e acabaram por descobrir uma cavidade com um rio subterrâneo de características raras. Hoje também pode ser visitado por turistas, desde que acompanhados por um especialista credenciado. No CISED há um, Paulo Rocha, sempre à disposição. 

Basta olhar para a entrada para perceber que esta visita não tem nada a ver com as de outras grutas mais conhecidas, como Mira de Aire ou Santo António. Aqui o acesso faz-se por um buraco escuro e pequeno (com menos de dois metros quadrados), que termina num estreitamento ainda mais apertado. E se a falta de luz resolve-se com a lanterna, o resto apela a uma pequena dose de coragem e outra de confiança em Paulo Rocha, que conhece o Soprador do Carvalho como a palma da mão. A descida ao interior da terra está prestes a começar…

A Natureza como arte

Seja pela adrenalina ou pela noção de que naquele momento já não havia volta a dar, a verdade é que a passagem pelo estreitamento foi fácil e fez-se num instante. Superado o primeiro teste falta apenas ultrapassar outro: uma grande parede em pedra que só se consegue transpor rastejando durante três ou quatro metros. Do lado de lá espera-nos uma sala mais ampla onde encontramos as primeiras estalactites e estalagmites, além de algumas raízes do carvalho que ali se agarraram à terra. A partir deste local o percurso torna-se mais acessível e há de ser feito sempre de pé, com os poucos receios que sobraram a esfumarem-se a cada passo.

Rapidamente chegamos ao curso do rio subterrâneo, primeiro só com água pela sola e mais adiante a entrar-nos várias vezes pelo cano das botas. Mas daqui não passará, ao contrário da lama, que será uma constante até ao final do passeio. Os primeiros metros são feitos em silêncio mas o ambiente envolvente aguça-nos rapidamente a curiosidade. Por exemplo, é verdade que as estalactites (a partir do teto) e estalagmites (desde o chão) só crescem um centímetro a cada 100 anos? Isso não passa de um mito, diz-nos Paulo Rocha, explicando que tudo depende de múltiplas variáveis, como a acidez da água ou o tipo de terreno e vegetação à superfície.

Menos conhecidas (e talvez por isso mais surpreendentes) são outros exemplos de morfologia construtiva, como as bandeiras, com formas onduladas que resultam do escorrimento de água, as tubulares, inícios de estalactites, ou as excêntricas, que crescem desordenadamente em várias direções. Tudo junto resulta num espetáculo cénico invulgar onde a Natureza é a grande protagonista.

Paz, silêncio e fascínio

O ponto final do passeio acontece após 800 metros de caminhada - apenas uma parte dos 4,5 quilómetros conhecidos da gruta - mas ainda não é altura de voltar para trás. Primeiro subimos até uma grande galeria (por outra passagem curta) onde encontramos várias estruturas muitos frágeis, como os gours espécie de depressão  preenchida com água, ou a couve-flor, minúsculas rochas rendilhadas que fazem lembrar este vegetal.

Depois do deslumbramento, o momento convida à introspeção. Se as condições de segurança estiverem garantidas o guia poderá autorizar os visitantes a apagarem a chama da lanterna, mergulhando a gruta numa imensa escuridão. O silêncio quase total acompanha-a, apenas interrompido pelas gotas de água que parecem ressoar como nunca. Eis a paz interior, na verdadeira aceção da palavra.

O regresso à entrada faz-se pelo mesmo caminho mas, mesmo assim, descobrimos mais detalhes, outras formações, novas sensações. Um admirável mundo novo que durante séculos e séculos esteve debaixo dos nossos pés e só agora começou a ser explorado. No interior das Terras de Sicó abriu-se outra porta para uma das últimas fronteiras do Homem.

Nelson Jerónimo Rodrigues 2014-07-16

Receba as melhores oportunidades no seu e-mail
Registe-se agora