Da Póvoa, com “beijinhos” e cheiro a sargaço

Temos uma poveira na Redação do Lifecooler. Insistimos muito e conseguimos que ela escrevesse uma crónica sentimental sobre os seus anos de infância e juventude na Póvoa de Varzim. Já sabíamos que era uma bela terra mas agora ficámos com nostalgia de não ter crescido Aver-o-mar.

Quando me propuseram falar sobre a minha infância e juventude na Póvoa de Varzim, uma série infinita de imagens surgiu na minha cabeça. Passaram mais de dois anos desde que troquei, por motivos profissionais, o aconchego do meu lar pela capital e ainda tenho metade do coração no norte. Mais de três semanas sem lá ir é, no mínimo, um castigo. Não só pela família e pelos amigos, mas pela qualidade de vida que a cidade tem.

A primeira vez que mudei de código postal (esta é a segunda) foi durante os 5 anos que estudei em Braga, na universidade. E, nessa época, todas as sextas-feiras chegava à Póvoa ao final da tarde e fazia, propositadamente, um desvio no caminho para casa só para matar as saudades do mar. A verdade é que nunca me desabituei dos oito anos que vivi em frente à praia. A primeira coisa que fazia ao acordar era ir à janela ver se “o mar estava como um cão” como o meu pai gostava de dizer quando estava bravo ou se estava calmo, com todos os rochedos à superfície, qual dos dois cenários o mais bonito.

Eram bons esses tempos em que bastava atravessar a rua para tocar com os pés na areia (um autêntico luxo no verão). Passava o ano inteiro à espera que as férias grandes chegassem para que o nosso prédio, com meia dúzia de gatos pingados no inverno, se enchesse nos meses mais quentes. Afinal, só assim o meu verão ficava completo já que alguns dos meus amigos das férias eram os meus vizinhos temporários. Matar saudades deles era por a conversa em dia sentados no muro em frente à praia, dentro de uma das barracas (com os panos deitados para baixo, como se fosse uma tenda) ou enquanto esperávamos pela nossa vez na única rede de vólei que ainda hoje existe, na praia da Fragosa, em Aver-o-Mar, hoje com outros intervenientes. 

A infância e juventude na Póvoa são também feitas de longos passeios com a mãe pela beira-mar quando ainda tinha pouca gente (talvez entre março e junho), as duas de costas curvadas à procura dos típicos “beijinhos”, pequenas conchas de forma arredondada não tão fáceis de encontrar assim. Lembro-me que eram muitas vezes motivo de namoricos entre os jovens. “Queres um beijinho?”, perguntava ele. E ela corava antes de perceber que o beijinho oferecido era outro

Os passeios com a minha mãe tornavam-se escassos quando se começavam a ver as primeiras barracas a ser montadas, prontas para receberem os veraneantes. Às riscas e coloridas, cada concessionário teria (e ainda tem) a sua cor para distinguir as concessões. A quantidade de barracas é cada vez menor mas ainda hoje é uma característica do verão da Póvoa.

Todos estes hábitos foram passando a recordações quando a minha família trocou Aver-o-mar pelo centro da cidade. Inicialmente foi uma transição dolorosa porque tínhamos muros em vez de horizonte mas passámos a ficar mais perto de tudo. Fiquei mais próxima dos amigos, da escola, da Junqueira para uns passeios pelo comércio tradicional e, na verdade, continuava apenas a 10 minutos a pé da praia. Mas a preferida continuou a ser a de Aver-o-mar e ainda hoje é lá que temos a mesma barraca de sempre, com os vizinhos de sempre.

 

Da comida à cultura, há saudades de tudo

Sem dúvida que perdi a conta às vezes que dei por mim cá em Lisboa a querer fazer três horas de viagem para a Póvoa só pelo prazer de comer uma francesinha. Ou de saborear um peixe assado confecionado pela mãe e comprado na lota, nessa manhã, pelo pai. Ou do cheiro a sargaço, que não sinto em mais lugar nenhum. Mas não é só de comida e cheiros que vivem as minhas saudades…

Esta altura, por exemplo, também me faz lembrar o meu tempo de escola em que não perdia as Correntes D’Escritas um único ano. Ainda me recordo do primeiro ano do Correntes em que tudo era novidade e quase se dirigia apenas a estudantes. Foi apresentado por uma colega da minha turma, a Ana Eduarda, e se a memória não me falha, decorria apenas na Escola Secundária Rocha Peixoto e no Auditório Municipal (hoje são muitos mais convidados e visitantes e os espaços foram-se adaptando à importância do certame).

Para a primeira edição, em 2000, tivemos convidados que hoje são presença assídua. Relembro a simpatia do Mia Couto e da minha concentração para tentar compreender e absorver cada palavra que dizia o Luís Sepúlveda. Sentia um nervoso miudinho por ver de perto o autor da “História de uma gaivota e do gato que o ensinou a voar” (tinha-o lido há pouco tempo). Impossível esquecer também a presença sempre característica de Rui Zink, que entra de camisola do Varzim ao peito, dizendo orgulhosamente para a plateia “Sou Varzinista de coração!”. Passados 15 anos, sei que ainda diz o mesmo e pergunto-me se não o devia ter convidado para um dos jogos que nessa altura ia, religiosamente, ver com a minha família todos os domingos. Hábitos que não se esquecem…

Ana Marta Monte 2016-02-24

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